Sede do Passado

Tenho muita sede do meu passado. Não quer dizer que não goste do presente, porque gosto e imagino (ou tento imaginar) que o futuro irá ser sempre melhor.
Mas sinto mesmo muita sede, tanta que às vezes parece que nada me vai saciar.
Crescemos todos juntos, tios, primos e primos que não eram de sangue mas sim de coração. Vivíamos todos na mesma Rua, vivendas pegadas umas às outras. Uma Rua sem saída, toda nossa, para rir pular brincar, saltar. Jogar à Apanhada, à Cirumba, ao Policia e ao Ladrão, ao Aqui vai alho, ao Berlinde, ao Lenço, ao Bate pé...Saíamos da escola, íamos a casa largar tudo e depois ficávamos na Rua até os pais chegarem do trabalho. Era tão bom! Já com 12 anos organizava festas populares de Stº António na Rua, com bandeiras e balões. Até cheguei a fazer uma quermesse com rifas...Com o avanço da idade, já podiamos ficar até mais tarde. Inventámos um assobio, para avisar que já estávamos na Rua, o gang todo junto. Comíamos as frutas das àrvores e bebiamos àgua da mangueira. Quantos banhos de mangueira tomámos, quantos... Lembro-me do funeral que fizemos ao primeiro cão que morreu na Rua, com direito a procissão e missa, feita por nós. Hoje todos crescemos e todos saímos da Rua...ficaram os nossos Pais, agora Avós.
Hoje vou lá encontro um primo, outro vai a fugir com pressa e sinto que o tempo é tão pouco para a sede que trago, quando me lembro de outros tempos. Tento combinar jantar, café, qualquer coisa...raramente se consegue. Hoje vejo o meu filho a brincar com o filho da minha prima e sinto que eles vão viver o que nós vivemos...Claro que são outros tempos, mas interagem, vivem a próximidade familiar, brincam. Tenho sede dos tempos de miúda, onde tinhamos tempo para estar juntos. O melhor de tudo, é que quando os encontro, parece que estiveram sempre ali ao pé de mim todos estes anos. A minha prima João, que ajudou a minha mãe no meu "processo de tirar a chucha", olhou para o meu filho e disse logo que ía sair à mãe. Ao que eu lhe respondi que era o mais certo, mas quando chegasse a altura ía ter com a prima João, que ela resolvia o assunto, asssim como resolveu comigo. A prima João era encarrege de maquilhar-me no Carnaval, sempre que chegava o dia, lá estava eu vestida de Nazarena à espera dela. Lembro-me de tudo como se fosse hoje e estas são as memórias que me vão saciando. Também tentei marcar jantar, até hoje nada. Vou aproveitando estes pequenos copos de água que vou apanhando e saciando a minha sede.


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