Como tudo passou tão rápido

Estava contigo de mão dada, como sempre. Dormia contigo e dizia vezes sem conta que quando morresse gostaria de morrer de mão dada contigo. Que gostava de ficar para sempre contigo. Lembro-me dos vestidos ao xadrez, do vestido rosa com renda branca e um patinho vermelho bordado. E de todas as vezes que pedias para me cortavam o cabelo à Beatriz Costa. Lembro-me de todas as vezes que me vias o cabelo, com paciência, para te certificares que estava limpinha. Lanche de gemadas com açúcar e pão. Das vezes que pulava na água com as minhas botas de borracha azuis. Lembro-me de todas vezes que viajávamos. Lembro-me de te ver sair do cabeleireiro todas as sextas, de cabelo encaracolado. Lembro-me de te rires muito, muito mesmo. De participares no carnaval mascarada. Lembro-me de trabalhares muito, mesmo muito e de chegar a casa e ainda tratar de nós, da casa e de fazer o jantar. Lembro-me das tuas saias de fazenda e o teu casaco a condizer, cor de cinzento e um alfinete de pérola. Disse-te uma vez que não gostava de ti, e já disse milhares de vezes que gostava, mas nunca me consegui perdoar, aquela vez, apesar de sabermos que foi por birra. Lembro-me das nossas sestas e o meu amor pelo sofá vem daí. As tuas lentes verdes, que nunca vou esquecer. A tua surpresa de aniversario. Tu sentada comigo na praia da Parede a fazer croché. Eu internada no hospital e tu ao meu lado dia e noite. De como é maravilhoso o teu arroz de tomate e ervilhas. De todas as idas à missa e pequenos almoços. De passeios às Caldas da Rainha, idas a Nazaré e o quanto gostavas de dançar e eras bem disposta e divertida. Do quanto choraste, por teres perdido a tua irmã. Acho que nunca te tinha visto chorar. Olhar para a tua fotografia quando eras mais nova e ver o quanto eras e és linda. De não te ver e ouvir pedir nada a ninguém e resolver tudo e mais um par de botas. Sempre para a frente. Sempre com pensamento positivo. Das bôlas que fazias. De me sentir no teu colo. De todos os laços que me colocaste no cabelo, o branco era o mais bonito. Quando me ralhavas porque não fazia algo bem. Do teu jeito quando me apoiavas, do teu jeito quando me repreendias. Um jeito teu, só teu. Tudo perdoado. E de tudo o que se passou, não fica nada do que não foi bom. Nem ficará. Lembro-me de ver-te linda, no dia do meu casamento, completamente desorientada por não conseguir exprimir o que sentia. Completamente atordoada. De chorares muito, muito que tinhas saudades da tua mãe. Mas eu quero sempre lembrar-me de coisas bonitas, felizes. Como o dia que me visitaste no hospital para conhecer o teu neto. Infelizmente o tempo passa e não quero que se torne pesaroso. Lembro-me de ti sempre cheia de vida, cheia de energia e amor para dar. Sabes, tenho saudades de dormir contigo, de me deitar ao teu lado, de me aninhar a ti. E custa-me tudo, só assim um bocadinho. Dava tudo, mas tudo, para te ver envelhecer ao meu lado, de forma natural, graciosa ou pelo menos sem dor. Quero-te bem, sempre bem. Apesar de eu ser, um ser tão pequeno no meio de tudo isto. Talvez podia ter sido uma melhor filha do que fui, mas amo-te muito, agora e sempre. E custa ver-te assim.




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