Há sempre a primeira vez para tudo

E é mesmo verdade. Segunda, que passou, fui ao meu primeiro funeral. Não lido bem com a morte. Sim, eu sei que todos temos de morrer, mas sou contra, e irei ser sempre contra. Ninguém deveria perder quem ama, ninguém devia deixar quem ama. Não gosto. Não aceito. Mas isto são coisas cá minhas. Desde que me lembro, e não é porque infelizmente não tenham falecido pessoas, mas sempre evitei, ao máximo. Sempre liguei a dar os pêsames. Havia um limite, que seria ir até à porta da capela no velório. E para acontecer isto, teria de ser uma pessoa muito importante para mim. Não consigo, ver o corpo ali. Só de ir a velórios, passo noites em claro. Penso em espíritos, e para onde vamos. Relembro todas as histórias que me contam. E assusta-me. Talvez seja o medo do desconhecido. Não sei. Sempre me disseram que não se devia temer os mortos, são os vivos que nos fazem mal. Mas sou muito renitente em ir. Tenho sempre tremores, tenho sempre aquele medo. Não sei bem o que será de mim, quando acontecer a alguém que esteja perto de mim. Não sei como irei lidar. Sei que estava num pequeno almoço de domingo com uma amiga, na boa conversa, e como eu adoro estes pequenos almoços, reparo numa quantidade de chamadas não atendidas. Não foi difícil de perceber, são todos do mesmo circulo, vi logo que havia problemas. O pai de um amigo falecera. Assim, do nada, de enfarte. Foi almoçar com todos os filhos, num desejo dele de comer sardinhada, e ao fim da noite, estava sentado no wc a falar com a mulher, quando parou de responder, a senhora voltou-se para trás e já não estava vivo. Rápido, sem aviso prévio. Nem sei se é melhor assim ou assado, mas nem dá tempo para quem se ama se despedir. Vida madrasta. Começo logo a tremer, porque sei que tenho de ir ao velório, porque esta pessoa não é só mais uma pessoa. Esta pessoa e a mulher, minha amiga do coração que me ajudou muito nesta vida, e que os conheço há mais de 18 anos, não poderia ser indiferente. Por eles não poderia deixar e ir, de o abraçar. Não é questão de ter de crescer, e enfrentar a realidade, porque acho que todos tem direito a enfrentar estes rituais à sua maneira, mas naquel momento senti-me uma choninhas. Fraca. Mas reuni o que havia em mim, procurei uma florista num domingo à tarde, fui mandar fazer a coroa, e segui para a capela. Vejo-o e nunca sei bem o que dizer, nestas horas. Dou-lhe um abraço. Percebo que ele ainda não digeriu, nem se apercebeu bem do que acontecera, ou então estava a fazer um esforço enorme. A mulher dele, conseguiu atenuar o ambiente, falámos naturalmente. Chega o dia do funeral. Acho que me sentia a tremer, como nunca. Mas fui. Fui, porque o amor que lhes tenho é maior, que o medo que tenho disto. E o meu medo é grande. Atrofio. Fui. Foi a minha primeira vez. Foi triste. Ouvi um dos mais maravilhosos discursos sobre a vida, sobre a importância de viver e de amar. Um discurso feito pela irmã dele, que se conteve até ao fim. Que falou do pai, de uma forma maravilhosa, inesquecível. Há pessoas que de facto são muito especiais. Únicas. Fiquei meia anestesiada no funeral. Atrofiada, um pouco. Mas feliz, por ter estado presente num dia tão doloroso para esse meu amigo. Um coisa percebi, quem acredita em Deus e quem tem fé, suporta muito melhor a dor. Porque acredita. Eu acho. Não aumenta ou diminui a dor da perda, mas conforta.

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