Second look

Penso muitas vezes que estou anos luz, de certas pessoas. Não comparando vivências, nem pessoas, mas às vezes parece que há pessoas que "aguentam" ou suportam mais as amarguras da vida, do que outras. São feitas de outra fibra. Caio por vezes no erro, comum, de julgar pelo exterior. No caso de ver uma pessoa feliz, calma, tranquila, penso sempre que aquela pessoa deve ter uma vida do caraças. Sim, sei que na realidade não é assim, até por experiencia própria. Quantas vezes eu não ouvi a celebre fase, celebre porque é dita há anos por o meu chefe, esta mulher anda sempre de bem com a vida. Até não ando mal, não senhora. Podia ser pior. Podia. Mas gostava de ser mais, de dar mais. Tenho um feitio tramado, tenho mesmo um feitio parvo. Admito. Sinto e sei como sou. Funciono de acordo com o que sinto, e muitas vezes sem racionalidade. Se por A mais B não devia falar com C, falo, porque sinto que sim. Se por A mais B, devo continuar a falar com C, não falo porque não sinto. Já não há peças para mim. Não há como dar a volta a isto. É só ir contornando e evitar estragos maiores, o principal é ser fiel a mim própria. Sempre a mim própria, porque penso que o pior será viver enganando-se. Mas dizia, há pessoas do caraças. Que as há. Estava eu num jantar, como muitos outros, sentei-me à frente da mulher que provavelmente não me sentaria, mas calhou. É uma pessoa calma, bem disposta, terna, boa onda. Estávamos a falar de banalidades, e ela começa a contar-me como está muito feliz por ter finalmente fechado um ciclo de 10 anos, de muito azar. E que encontrou o amor, e que é feliz e que sente que tem direito a ser feliz. Isto mexe comigo, o direito a ser feliz. Todos temos esse direito, mas nem todos o somos. É um facto. E é algo que me desagrada. Se bem que não poderíamos andar 100% na felicidade pura, se não como a iríamos apreciar?! Se bem que 10 anos de muita coisa má, é muito tempo, demais para mim e para qualquer pessoa. Perguntei-lhe que fase má tinha sido e deduzi que seria uma doença. Foi, mas não da própria. Perdeu os dois pais para o cancro, numa batalha interminável, e por fim encontrou o marido morto em casa. Tudo isto com um miúdo pequeno para cuidar, educar. Mais para o fim, conta-me o quanto sofreu por abusos físicos e psicológicos até o marido falecer. Não consegui falar durante algum tempo. Deixei-a falar. E não acreditava que aquela pessoa tinha passado por tudo. Ouvi, e li nela, nos olhos dela, uma ternura, uma vontade de ser feliz, que me comoveu. Nestas situações, acho que nunca sei bem o que dizer, comentei apenas que é uma felicidade na boa pessoa que se tornou, na escolha que fez, porque podia tornar-se numa revoltada ou com depressões, e finalmente é feliz. Responde-me assim.... fiquei sozinha no mundo, revoltei-me, mas não me levou a lado nenhum. Tudo passou e encontrei o amor. Ficou na minha cabeça, o estar só neste mundo. Assusta-me para caraças. Ver-me só. Olho para ela, resolvida, de bem com a vida, que não lhe deu descanso durante 10 anos. Há pessoas do caraças. Com uma força, brutal. E perto destas pessoas, sinto-me sempre menor, porque acho que seria uma revoltada, uma mulher de mal com o mundo, por não aceitar. Não sei se conseguiria lidar com tudo, como esta pessoa lidou. Com esta graciosidade, o aceitar, o conformar. Será maturidade? Falava como se a vida lhe tivesse sido sempre generosa. Olhava para ela e pensava sempre, quem imaginava o que esta pessoa passou. Com um sorriso meigo e enternecido. Sempre atenciosa, sempre com uma palavra amiga. Tenho pelo na venta em demasia, tenho em mim algo que não me deixa acalmar, parece que vivo em sobressalto. E reclamo demais. Demais. E é nestas pessoas que me inspiro, a fazer mais e melhor. A ser mais e melhor. A ser grata por tudo o que tenho. Não que não seja, mas para que nunca me esqueça de o ser. Temos de ver o melhor de alguém e desejar alcançar, trabalhar para lá chegar. Não para sermos melhores, mas para sermos felizes. Para não irmos ao fundo, quando a vida não nos sorrir. Para que na tempestade tentemos estar tranquilos, serenos. Agradecidos. É bom ter pessoas assim perto de nós. Muito bom.

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