Aqui não se guardam pedras para construir castelos
Aqui fogem se delas. Porque magoam. E magoam a sério. Fazem mossa. Cai uma, caiem duas. Palavras são pedras que magoam, que ferem, que me ferem. Mas continuo sempre a caminhar. Uma vez mais direita, outras vezes mais curvada, outras vezes finjo que caminho, finjo que sei onde pretendo chegar, porque só desejo chegar a algum lado. Dias que não são bons para levar com pedras, são dias para se ficar na cama, no nosso ninho, no nosso território, onde mais ninguém chega. Aninhada, longe de tudo e de todos os que caminham sobre as pedras que atingem os outros. Por isso não as guardo. Porque para mim castelos de encantar não existem, princesas e príncipes muito menos. Existem sim pedras duras e frias. Que não nos aconchegam. Que dificilmente servem de abrigo. Porque dias como estes, elas caiem, sem dó nem piedade em cima de um, ora em cima de outro, em cima de mim. Hoje era um bom dia para não sair, para não pisar no caminho meio torto, meio escuro e duvidoso. Mas a vida é assim, empurra-nos e força-nos a começar, a continuar, a terminar. Mesmo que doa. Mesmo que nos marque, e nos faça chorar. Tivesse eu, recolhido pedras para as atirar e não para construir. Sou fraca. Mas não por vingança, mas por uma partilha de dor. Da partilha do sabes o que eu sinto? A ti sabe-te melhor que a mim? Dias em que as pedras são tantas, que só mais uma parece que já não suporta. Que se pensa, só mais uma, que custa? Custa. Muito. Custa a quem leva com elas e delas não se consegue libertar. Custa a quem as apanha, porque alguém se lembrou de atirar para o ar. Custa. A mim. Como eventualmente custará a todos os outros, que também terão a sua parte, o seu corpo marcado. Mas hoje sou eu. E custa-me muito. Como custa. E hoje não consigo ver mais nada. Só vejo um caminho de pedras negro e tenho medo.