Christmas blues

É um ritual de família e de reencontro, de união e comunhão, de amor, de «ninho». E é isso que torna a época feliz e especial. Mas são estas mesmas razões que também podem torná‑la um dos momentos mais difíceis do ano. Basta que, em vez de amor, haja desavenças. Ou que o «ninho» não exista ou esteja vazio. «Frequentemente, a tristeza, a culpa e a ansiedade sentidas nesta época têm que ver com um desfasamento entre as expetativas que interiorizámos do que deveria ser o Natal – enquanto festa religiosa e de comunhão de afetos – e aquilo que muitas vezes acabamos por vivenciar», diz o psiquiatra João Parente. Durante o resto do ano, tudo isto é mais fácil de ignorar. No Natal, quando as páginas das revistas e os anúncios na televisão se enchem de famílias felizes debaixo do pinheiro e os amigos extravasam todo o entusiasmo com a perspetiva da reunião familiar, toda a felicidade dos outros parece servir apenas para que alguns recordem (ainda) mais o que está em falta nas suas vidas.
Muitas vezes o Christmas blues pode manifestar‑se pela falta de vontade em estar com os entes queridos e no desconforto em festejar, como acontecia com Hugo. Outras, o problema reside precisamente no oposto. Não faltam aqueles que tudo o que queriam era poder estar e festejar, mas são esquecidos. Num país cada vez mais envelhecido – de acordo com o Instituto Nacional de Estatística (INE), em 2013, o índice de envelhecimento da população foi de 136, ou seja, por cada cem jovens existiam 136 idosos – o problema da solidão é cada vez mais premente. «Num mundo que se globalizou, não é raro que haja familiares emigrados em países longínquos e que não podem estar presentes, e essa ausência pode ser antecipada e sentida com tristeza e saudade», diz o psiquiatra João Parente. «E uma parte significativa da população idosa vive sozinha, sem grande apoio familiar e os sentimentos de solidão física e afetiva tornam‑se mais evidentes nesta época festiva.»
A família que já não está
Rosa Melo tem rugas e cabelos brancos suficientes para já ter visto muito e ouvido mais ainda. Do Christmas blues nunca ouviu falar e psicoterapia também nunca fez. Tem 82 anos e o que sabe é isto: sente‑se sozinha. No Natal, como no resto do ano. Vive em Fenais da Ajuda, na ilha de São Miguel e sente‑se satisfeita por alguém lhe perguntar o que sente. Partilha as suas dores, que não são poucas: é viúva há oito anos e perdeu o único filho que tinha há dois. «Ele estava na América. Era da tropa e fizeram‑lhe um daqueles funerais muito bonitos em que se põe a bandeira americana por cima do caixão. Eu não o via no Natal, mas sabia que ele estava bem e ouvia‑lhe a voz porque ele ligava‑me sempre.» Os netos, todos nascidos por lá, têm nomes como John e Steve. Sabe‑os bem, mas não os vê. Sem marido, sem filho e com uma irmã que vive perto mas de quem está afastada por desavenças familiares antigas, o Natal de Rosa é na solidão. «Há um sobrinho do meu marido e a mulher que passam aqui um bocadinho na véspera de Natal a deixar‑me uns bolinhos. Ficam muito pouco tempo, mas é o tempo que podem. Depois têm de ir à vida deles fazer o Natal com a família.»

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