Aconteceu no dia que Ele descansou e que a criação terminou
Se conheceu no mesmo dia, que se desconheceu. Que partiu. Que se fechou como uma porta, de forma abrupta. Sem apelo nem agravo. Fechou-se. Partiu. Ficou do lado de fora uma semente, acabada de nascer. Ficou de fora toda uma forma de vida, criada com carinho, com ternura. Ficou só, desorientada, perdida, sem nada. Impiedosamente só. Foram invernos rigorosos de muito frio, muita chuva e muitas tempestades. Nasceu dela, o fruto da incredulidade. Nasceu com uma força de tudo domar, de tudo tornar nada. De não aceitar. Perdeu o que nunca teve. Procurou o que nunca existiu. Empurraram-na para um passadiço assustador, com muitas falhas pelo caminho e lá foi ela de olhos turvados, com medo de que o fio que a mantinha suspensa, a deixasse cair. Caiu. Caiu a uma velocidade vertiginosa. Caiu em cima de estilhaços de vidro, ficando com cortes marcados e atravessados na vida que tinha acabado de nascer. E mesmo assim, não era uma dor superior, comparando ao bater da porta. Foi algo que não percebeu, nem entendeu, mas que não quis sair de dentro de si, que foi corroendo, que quis viver nela, alimentar-se do desespero, da tristeza, falta de fé, de crença. Depois do aviso abrupto, frio, procurou incessantemente um saco de papel, para respirar. Procurou incessantemente por uma bolha de ar, que permitisse chegar à superfície. E dia após dia, não encontrou. E ouvia lá longe, um relógio, um relógio que lhe dizia que o dia final da criação iria determinar, a falta de ar, a falta de saco de papel, o final. Lutou, como pode, organizou em si o que não pode e nem conseguiu organizar, tal crueldade. Aceitou, de forma altruísta, pelo bem maior. Que se revelou uma mentira. Sentiu apenas um empurrão nas costas, no dia de descanso do Senhor, e percebeu que teria de começar a sua caminhada no passadiço. Caminhou. E caiu, não uma, mas várias vezes. Muitas mais, do que ela gostaria que tivessem sido. Porque não se deu conta do quanto nasceu em si a vida, do quanto germinou aquela pequena semente. Hoje, longe desse tempo, percebe a violência desse passadiço. Hoje percebe que se consegue sobreviver, renascer, mesmo com algumas mazelas. Muitos dias se passaram, se seguiram nesse passadiço e nada atenuaram. Trezentos e muitos dias depois, assalta-lhe a memória e nasce na boca um sabor agridoce, e pensa e sabe, que tudo foi em vão.
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