"juntos, somos mais fortes do que individualmente"

Entrevista de Matt Preston, na revista ViSAO!


                                 (fotografia retirada do fb "selfies can get a little tricky when
                                            you're a head taller than your co-workers...."

Como é a sua relação com a comida?
Sou obcecado. Aliás, nós os três [ele e os outros jurados, Gary Mehigan e George Calombaris] somos food nerds, podemos ficar muito excitados com uma boa maçã.

Ganhou fama depois do MasterChef, mas antes teve outra vida. O que estudou em Inglaterra?
Estudei Política e Economia. Mas passei muito tempo a promover bandas no Reino Unido, a escrever para uma revista de música e a ir a concertos. Ainda adoro música. Só que há duas décadas que escrevo sobre comida. Também organizei, durante cinco anos, o festival de gastronomia e vinhos de Melbourne – trouxe alguns grandes chefs até à Austrália.

São esses que convida para abrilhantarem o MasterChef?
Não queríamos os chamados chefs-palhaço, aqueles que estão num canal de televisão aos gritos. Sempre preferimos convidar pessoas mesmo boas no que fazem, com credibilidade quando falam. A grande questão que se coloca hoje em dia é a de saber se se quer ser uma superstar ou conseguir realmente cozinhar?

Conhece algum chef português?
Não. Há tempos tivemos no programa uma sobremesa inspirada num pasteleiro português, mas não me lembro do nome dele. Os chefs portugueses sofrem do mesmo do que os australianos – estão longe das grandes capitais gastronómicas.

E Portugal, já visitou?
Nunca, mas foi onde os meus pais passaram a lua de mel. Está agendado ir para o ano, antes que Lisboa se torne uma cidade turisticamente massificada.

 Viaja muito em trabalho?
Gosto imenso de viajar. Tenho muita sorte, porque o meu amor e o meu trabalho coincidem. Desde maio, já fui à Cidade do Cabo, a Joanesburgo, à Califórnia, em eventos profissionais, e estive na Sicília de férias. Depois passei por Nápoles, Barcelona e San Sebastian. E acabei de chegar do Sri Lanka com a minha família [mulher e três filhos], ao fim de 30 anos a sonhar lá ir. Para o ano, já disse, quero ir a Lisboa, conhecer a cidade, comer uma sopa verde e marisco. Aviso já: tenho uma longa e trágica adição a um bom Porto!

 É isso que conhece da nossa gastronomia?
A vossa cozinha é única, de base – torna-se impossível ir a Goa, ao Sri Lanka ou ao Japão e não perceber a influência portuguesa na comida

 Cozinha para a sua família?
Nem sempre. Quando estou a gravar, por exemplo, chego a casa às sete e meia e a minha mulher já tratou da comida. Mas eu arrumo a cozinha. E dedico-me a isso aos fins de semana ou quando vêm cá amigos. Muitas das minhas receitas são escritas à mão na praia, durante o verão, ou nas férias de setembro. É quando tenho o meu pico de tempo na cozinha.

 A democratização dos restaurantes de autor também é um fenómeno que contribuiu para esse entusiasmo?
Antes, ir a um restaurante com estrelas Michelin não era para toda a gente, até obrigava a vestir fato e gravata. Agora, a atmosfera é mais descontraída, embora a ementa continue requintada. A comida está também muito mais “apetitosa” para os media. Escrever sobre alguém que cozinha uma galinhola não tem muito élan, mas explicar como se põe uma sobremesa a flutuar ou a explodir na nossa boca já é diferente. Há muito mais entretenimento e humor na culinária, graças a restaurantes como o Fat Duck, em Londres, ou o El Bulli, em Espanha, que têm orgulho genuíno no que confecionam e nos seus produtos únicos. Há 20 anos, os melhores restaurantes eram sempre franceses, quer se estivesse em Inglaterra ou na Austrália

 Até quando durará este fascínio pela comida?
Já está a abrandar. Dantes, os livros de dietas vendiam-se em janeiro, a seguir às festas. Agora é todo o ano. Mudámo-nos para a era do wellness, as pessoas andam à procura de uma varinha mágica para resolver os seus problemas. Criou-se a ideia de que a comida é o inimigo e que não nos podemos alimentar com isto ou com aquilo – há os regimes palio, os sem glúten e outros ingredientes...

 O que tem a dizer sobre essa tendência?
Acho um ótimo sinal que nos preocupemos com a origem da nossa comida, que tenhamos consciência ambiental e ecológica. Mas ainda corremos o risco de ficarmos afetados por isso. Como escrevo no meu livro: não se trata de cozinhar algo de espetacular, mas de ter os amigos sentados à mesa e dar-lhes de comer, com amor. Algumas das receitas que lá estão são apenas um conjunto de ingredientes, para que se possa estar mais tempo a conversar com os amigos, pois considero que a comida é um lubrificante social. Perante todas estas manias, digo o mesmo que Michael Pollan [jornalista americano]: «Eat food, not too much, mostly plants.» (Alimente-se de comida verdadeira, não muita, sobretudo de plantas.)

 Porque acha que a versão australiana do MasterChef é favorita em todo o mundo. Será por sua causa?
Não sei. Nós somos como desenhos animados... Uma vez recebi um twit de uma pessoa na Índia, a dizer que adorava a ideia de ver o programa com a família e depois irem todos para a mesa comer. Penso que a essência do MasterChef é essa ideia antiquada de que é importante comermos juntos, de tratarmos as pessoas com respeito. Quando começámos a fazer o programa, nenhum de nós queria ser o jurado mau, ninguém queria ser a personagem Gordon Ramsey, ninguém gosta desse comportamento, não achamos necessário, é melodramático, desonesto e antipático. Se nos cozinham um prato que não está muito bom, só temos de ajudá-los a fazer melhor da próxima vez.

 Gostam tanto dos concorrentes como parece?
A nossa versão baseia-se em boa comida, em pessoas a perseguirem os seus sonhos e na nossa simpatia. Sim, nós gostamos mesmo dos concorrentes, passamos tempo com eles depois do programa, celebramos quando atingem os seus objetivos. Por exemplo, agora há um deles, um estudante de fisioterapia, que está a cozinhar no Mugaritz, em San Sebastian [considerado o sexto melhor restaurante do mundo]. Estou muito orgulhoso dele. É um crítico e trabalha ao lado de dois chefs.

 Sugeriu o nome deles, quando lhe pediram opinião?
Sim, conheço-os há dez anos, da época em que organizava o festival de gastronomia. Suspeitei logo que o George ia ficar com o lugar, porque se adequava melhor ao formato, mas o Gary acabou por resultar numa ótima combinação. O George é o coração do programa, o Gary o motor e eu a cereja no topo do bolo. Temos diferentes aproximações à comida, mas uma atitude semelhante. Chamamo-nos um triângulo – juntos, somos mais fortes do que individualmente.

 E encontram-se fora do programa?
 Somos amigos. Ainda ontem fomos jantar fora. E gostamos todos de viajar e às vezes fazemo-lo juntos. Durante seis meses, estamos mesmo muito perto uns dos outros, quatro vezes por semana, doze horas por dia. Além disso, o Gary vive a um quilómetro da minha casa e o George a dois. Acabamos por nos encontrar no parque: eu a ver o meu filho jogar cricket, o Gary a passear o cão. E ainda vou ao futebol com o George.
 

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