Sempre me preparei para a morte
Sempre. Da minha mãe. Sempre chorei muito antecipadamente. Sempre sofri muito, todos os dias que sai de casa dela. Todos os dias chorei a morte, de uma pessoa viva. Todos os dias me quis preparar. Mas de nada valeu. Nunca se prepara para perder uma pessoa, a nossa mãe. No dia, que a vi, que tive de beliscar para ver se acordava, nunca pensei que morria nesse dia. E morreu. Morreu ela e morreu a filha dela. Sempre tive medo do quanto mudaria, sempre tive medo de morrer parte de mim com ela. E morreu. O Medo morreu também. O medo priva-nos de viver. O medo faz-nos temer e sobreviver. O medo não é nada, porque tudo acontece da mesma forma. Podes ter muito medo de tudo, mas tudo acontece, quando tiver de acontecer. Mesmo que tenhas medo. Sempre tive medo da morte. De morrer. Hoje, apesar de ter ainda esse medo, de deixar cá o meu filho, penso que vou ter com a minha mãe e de certa forma, esse medo atenua-se. Fica só em nós um vazio. Uma dor, que nunca pensei que fosse como esta. Nunca pensei que fosse tão duro como é. Todos os dias sinto um nó na garganta, de refrear toda a vontade de chorar que sinto. E todos os dias sinto vontade de chorar. Todos os dias tenho vontade de ficar só no meu canto. E há coisas que não em saem da cabeça. Há situações que não abrandam. Sinto uma inercia em mim, que não sei explicar. Sinto que nada tem interesse. Que nada neste mundo me interessa mais. Uma coisa é certa, se não fosse o meu filho, tudo seria pior. Tudo seria mais cinzento. Tudo seria muito mais triste. Se já achava dificil, ser feliz, agora a felicidade parece-me muito mais longe. E felizardos daqueles que a tem. Oiço dizerem que tudo vai melhorar, um dia de cada vez, que temos de ter força e tudo mais. Mas sinto em mim, a fraqueza de todo um ser, que se preparou para a perda e não soube de todo perder. Tanto não soube, que também se perdeu.