Ás vezes tenho medo, que a memória me falhe
Passei o tempo a contar o tempo. Todo. E só me apetecia fugir. Esforçava-me para lembrar do sorriso, das gargalhadas. Do carinho com que falavas que não tinha idade para me sentar ao meu colo. Esforço-me para sentir em mim, todos os abraços que te pedi, que te abracei com força. Esforço-me para me lembrar do cheiro, do toque. Do estar sentada na porta, e me entregares uma gemada com pão. Esforço-me e lembro detalhadamente de todas as vezes que fomos à missa, que fomos tomar o pequeno almoço juntas. Lembro-me muito bem da tua carteira com os santos todos, com o teu porta moedas cor de caramelo. Lembro-me de te ver dançar, dançar muito, de rir, de brincar com as pessoas. Lembro-me de ti, mascarada. Lembro-me de ti, a chegar a casa e fazer o jantar. Lembro-me de todas as sextas feiras ires fazer mises e ficares com o cabelo encaracolado. Lembro-me de usares os brincos de pérola, de te pintares no meu casamento, mesmo contra vontade. Lembro-me do teu sorriso sincero. Lembro-me de chegares a pingar do mercado, por apanhares chuva. Lembro-me de nunca te esqueceres do meu pequeno almoço. Lembro-me de acreditares em mim, quando falava como adulta, sendo uma criança. Lembro-me de me dizeres, o quanto eu era loirinha. Lembro-me de ralhares comigo tantas e outras tantas vezes. Lembro-me do errado que fiz, e que hoje lamento. Lembro-me e fecho os olhos e vejo-te a rir, a rir sem som e não parar... como me lembro, e como tenho saudades. Que mesmo aqui presente, te sinto muito ausente. E tenho medo, muito medo, de tudo o que venha acontecer. E choro, porque mesmo estando perto, te sinto muito, muito longe. E choro.
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