No outro dia, recordava-me dos pratos que a minha mãe cozinhava. Já não cozinha há uns bons anos, por ter perdido a visão. Recordo-me que devem ser uns 5 anos...porque a ultima vez recordo-me de ter sido arroz de tomate e jaquinzinhos. Estava grávida e tinha dito que me apetecia imenso comer isso. Fui almoçar a casa dos meus pais e estava lá à minha espera. Acho que foi a ultima coisa que ela fez. Ou então a memória atraiçoa-me. Por norma, sou pessoa de estar perdida nos meus pensamentos, em silêncio ou com musica calma e vou buscar tudo o que fez parte de ti. Faço questão de não me esquecer de nada, de guardar em mim todos os pormenores, ou pelo menos grande parte das coisas que vivo. Sou assim com tudo, ou todos os que me fazem feliz. Gosto de me lembrar do orvalho de uma madrugada, ver vinhas ainda cobertas de nevoeiro e eu a despedir-me dos meus, para regressar. Parece que sinto na pele, parece que ainda oiço aquele silêncio magnifico. Tantas foram as madrugadas que se fizeram para ir e regressar. O passar de um comboio para o outro. Comer uvas acabadas de apanhar, frescas, muito frescas. De chegar a casa da catequese e olhar para cima do armário e ver um bolinho, o bolinho de sábado. De estar sentada no degrau da porta a molhar o pão na gema de ovo com açúcar. O arroz de tomate da minha mãe que não há melhor. Eu, em pé de uma cadeira, a lavar a loiça pela primeira vez. O meu nenuco, que me lembro precisamente ser o primeiro da rua e de todos os miúdos, que me foi dado depois de sair do hospital, foi esquecido em cima de uma pedra. Nunca mais o vi. Mas lembro-me nitidamente dele. Dos meus tios nos visitarem ao domingo e a minha mãe preparar bolas de bacalhau e ficarmos a falar durante horas. Das vezes que mergulhei no mar às nove da noite, com a minha prima P. sem fato de banho, porque gostávamos da sensação de liberdade. Da mão que me deram, numa primeira vez, numas férias de verão. Das cartas que recebi. Dos mergulhos que dei no rio. Do tempo que atravessámos a ponte do comboio, com uma altura vertiginosa, para irmos à Régua. De visitar algumas pessoas com a minha mãe e entregarmos alimentos. De fazer directas para ir ter com a minha mãe à missa e depois tomar o pequeno almoço com ela. São tantas as coisas boas, felizmente. Vivem em mim, muitas solanas, muitas de vários tempos. Umas mais felizes que outras, mas felizes. Mas no fundo acho que todas se dão bem, todas se complementam. E eu guardo tudo, tudo o que chega a mim, e me marca de alguma forma. E tenho imenso prazer a relembrar-me, numa tentativa de não me esquecer, o quanto fui feliz. O quanto as pessoas na minha vida, me marcaram.

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