Há sempre opção
Comecei a sair à noite aos 15 anos, com primos, amigos. Conheci o Gonçalo tinha 17 anos. Era amigo de amigos em comum e demos-nos bem logo à primeira. Foi o meu primeiro namorado. O Gonçalo tinha 27 anos. O Gonçalo era giro, moreno e de olhos verdes. Falava de forma diferente, assuntos diferentes o que me cativava. Tinha a sua estabilidade e casa própria, era um adulto, uma pessoa madura. Saía das aulas, ia ter com ele ao café, ou ele ia buscar-me para passear na praia. Apesar de estar apaixonada, sempre soube o que queria e o que não queria. O Gonçalo era sempre um amor, ternurento e romântico. Uma vez estávamos numa esplanada no Estoril e aparecem alguns amigos, uns que conhecia e outros que nunca tinha visto. Falavam de várias coisas e começo a perceber que o teor da conversa era sobre rivalidades entre fulanos que são da localidade X e outros da localidade Y. Entro na conversa e peço para me explicarem aquela teoria de divisão de terreno, divisão invisível, mas que eles afirmavam existir e que os fulanos do X não podem passar por Y. Desliguei da conversa, por ser tão parva e sem sentido. Assim que fiquei com o Gonçalo a sós perguntei-lhe que história era aquela e se ele estaria envolvido em alguma coisa do género como magoar alguém só porque sim. Perguntei-lhe directamente sobre um acidente que ouvi falar, de um rapaz ter sido sovado até à morte porque passou a tal barreira invisível. Ele diz-me que não. Que não estava envolvido, mas que as coisas são como são. Aí parou tudo. São como são? Pedi-lhe para me explicar o que quer dizer com as coisas são o que são....que direito tem ele e outros, de distribuir gratuitamente violência a fulano X e Y. Ele diz que não é bem assim, que eles só fazem porque os outros lhes fizeram. Neste momento estava a ficar completamente sem chão, uma pessoa adulta que eu achava madura e responsável, andava a distribuir violência só porque fizeram a outro e não a ele. Perguntei-lhe novamente, se esses casos tinham sido com ele, e ele diz-me que não mas quem se mete com um, mete-se com todos. Perguntei-lhe se não faria sentido uma das partes parar com tamanha estupidez, com a falta de humanidade uns para com os outros e que deixassem o envolvido resolver a questão sem envolver terceiros. Onde é que estas pessoas se perderam? O que lhes faz falta para responderem com tamanha agressividade. Fiquei durante um tempo calada, ele tentava argumentar para validar o que eu repudiava. E apesar de gostar muito dele, eu não seria nem a próxima vitima de um grupo a querer vingar-se de outro, nem estaria com ninguém que fizesse isso a outra pessoa....que seria amiga e filha de alguém. Perguntei-lhe se podia afastar-se disso, se poderia parar...disse-me que não era assim tão linear, que são amigos. Amigos que andam à pancada, que não sabem resolver as coisas como gente, como pessoas. Acabei com ele. Disse-lhe que para mim essa rivalidade não fazia sentido nenhum e não podia compactuar com tamanha estupidez, com tamanha falta de humanidade. E se não conseguia fazê-lo mudar, a única opção era ir à minha vida. E assim o fiz. E gostava tanto dele. Lembro-me de ter sido difícil vê-lo quando saía à noite, e dizer só palavras de circunstancia. Ele a tentar voltar e eu a dizer não. Mas até hoje não duvido que foi o melhor. O Gonçalo vivia atormentado por onde saía, quem estava, quem o rodeava. E tenho pena. Lembrei-me do Gonçalo ontem, quando estava a ler uma revista no cabeleireiro. Li um artigo sobre o Francisco que foi violentamente espancado com capacetes, pontapés e murros. Porque ele era amigo de alguém que também se metia em confusões. Meu Deus, passaram 18 anos e os miúdos continuam perdidos, sem noção entre o bem e o mal, o errado e o certo. Dizem ser gangues entre famílias de bem. Penso que não será por aí. Penso que estas gangues há em todos os status sociais. Acho que há e sempre houve pessoas a crescer sem bases, sem redes de apoio, pessoas que se perdem e muitas não são responsabilizadas pelos próprios pais. Os pais dos próprios agressores nada fazem. Continua muita coisa errada nesta sociedade. É de lamentar este tipo de violência gratuita. Só porque sim.
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R.