Tudo muda numa fracção de segundos
Lembro-me de ser miúda e de correr no meio da terra e de chupar azedas. Os meus pais tinham casa, junto com a família da terra, uma rua cheia de família...na minha infância, eram muito poucas as casas que existiam. Tínhamos campos de liríos roxos que apanhava imensas vezes, malmequeres e azedas. Lembro-de de todos os jogos que fazíamos, lembro-me de todos a correr, rir, brincar. E lembro-me de todos em particular e de todas as características. Usávamos um código, para chamar cada um...depois do jantar lá íamos nós jogar a apanhada, mas só nos meses de verão. Lembro-me do primeiro cão da rua, ser o nosso cão. Não contando com o piloto do Carlos, o cão da minha prima era o nosso. Lembro-me quando o cão morreu, fizemos uma procissão e o devido enterro ao animal e lembro-me que íamos sempre levar flores, azedas porque eram as preferidas dele. Comia algumas. Lembro-me de todas as vezes que tínhamos de fazer filmes, porque fazias questão de filmar com uma câmara imaginária e repetíamos vezes sem conta a mesma cena. Lembro-me da tua primeira tatuagem. Lembro-me de todas as vezes que a tua mãe ralhava contigo porque fazias xixi na cama e já não tinhas idade. E as vezes que eu bebi água do mar na praia das Avencas...tu eras terrível, fazias amonas a torto e a direito....Lembro-me do teu sonho em ser modelo, e lembro-me de te ter inscrito na miss Portugal, passaste a eliminatória e a tua mãe não te deixou continuar. Lembro-me do grave acidente que tiveste e de ter levado flores, malmequeres brancos. O tempo foi passando por nós e hoje mais ninguém brinca na rua, a não ser os filhos. Hoje vejo-te assim de fugida, mas sei que andavas bem. Sei que o primeiro casamento foi menos bom para ti. Razões tuas, vossas. Sei que encontraste de novo o amor. E sei que amavas sempre qualquer criança, com o desejo que uma fosse tua. Tinhas sempre um sorriso para o Tiago, uma palavra, alguma coisa. Soube há 5 meses que estavas grávida. E sei o quanto o desejas-te. Há muito que o desejavas. E fiquei feliz durante um segundo. A seguir contam-me que foste diagnosticada com leucemia. Aí o meu mundo parou. Saber o quanto desejas-te e agora um valente murro no estômago. Sei que não queres que ninguém saiba. Eu soube porque infelizmente o que é mau, sabemos sempre. Tentei fazer alguma coisa. Tentei explicar que só tornando publica a situação, conseguiríamos juntar mais dadores. Expliquei de novo, que só as pessoas se identificando com a situação, é que se mexiam, é que se inscreviam como dadores. Mas disseram-me que não. E tenho de respeitar o teu momento, a tua a v/ escolha. Mas sinto-me frustrada por não conseguir arranjar mais dadores, por não conseguir dar respostas a quem me pede, por não conseguir ajudar-te. Tentar tudo. Porque não queres que conheçam a tua dor. Mas como se consegue ficar impávido e sereno quando o tempo não pára e anda contra ti, contra a tua filha? Como? Sinto-me impotente. Triste. E rezo todos os dias que apareça alguém. Para que possas criar a tua filha e que ela cresça perto do meu, como nós crescemos. E quem me dera que ninguém tivesse de passar por essa dor. E ainda hoje se tem de convencer pessoas a serem dadoras...como é possível?
Quero-te tanto bem, quero-te perto da tua filha. E sinto-me de mãos atadas. E é triste. Muito triste.
Quero-te tanto bem, quero-te perto da tua filha. E sinto-me de mãos atadas. E é triste. Muito triste.
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