Sinceramente

Não me apetece que chegue o Natal.
Bolas, como eu adorava o Natal. A magia do Natal. O amor.
Gostava tanto de decorar a casa toda. De fazer a árvore de Natal. De ser o meu filho a colocar a estrela.
De colocar o menino Jesus no presépio. Construir um presépio a sério, com lagos, galinhas e patos. Tradição de comprar, todos os anos, mais figuras no mercado... já tinha a banda completa.
Ia sempre com o meu pai.
Mas neste natal. Meu Deus, este Natal.
Tenho a opção de fingir que não há Natal, fuga para a frente. Viajar.
Ou então assumir o Natal, tal como ele é. Sofrido, ou fingido.
Sou uma miúda tonta, tonta de sonhos. Cheia de sonhos.
Toda uma vida sonhei, com uma casa cheia de miúdos, no natal então...a abarrotar.
Estive quase lá.
Passava dias a cozinhar.
Dias a preparar.
Cansada, mas feliz, aquela felicidade boa, que nos aquece o coração.
Natal, é amor. É partilhar. É dar de nós, o nosso melhor.
Este ano, não tenho os dois. Os dois pilares da minha vida.
Já não me bastava não ter a minha mãe, no ano passado, que preparava os grelos, quanto mais ácidos melhor...Agora não tenho quem me escolha o bacalhau de lombo gigante.
Sei que não os vou poder beijar.
Sei que não os vou poder ver ou abraçar.
É uma dor que me desconcerta, ao perceber que já nem sei onde dói ou o que dói.
Só choro.
O chorar é como aliviar, o que nos arde por dentro. Este ferro em brasa, que me marcou para todo o sempre.
É como se chorar apaziguasse toda a tristeza, solidão de não os ter. É como arrefecer o ferro em brasa,que está espetado no coração.
Sinto o Natal a chegar.
E sinto-me numa nuvem cinzenta. Sem chão.
Não os oiço "a minha bela isto, a minha bela aquilo"
Não os vejo,
Sou uma miúda tonta, já o disse, e exigente.
Na verdade eu preciso deles
Não me basta imaginar que estão comigo
Não me chega
E sinto uma tristeza, enorme.
Revolta, por terem ido os dois.
O porquê dos dois?
Fazem companhia um ao outro? Só pode ser, certamente.
Sim, também sou egoísta.
Sou uma desgraça de pessoa. Na verdade.
Mas sinto-lhes a falta de um abraço gigante. Sinto a falta de colo. Sinto a falta da cama quente, ao domingo de manhã, e eu deitadinha com a minha mãe.
Ás vezes fecho os olhos e penso, até onde vai esta dor de ser órfã.
Ás vezes penso, onde será que dói e qual o tamanho da dor.
Mas é em vão.
Porque não sei onde é a dor....porque é um todo, é um estado atordoado, espalhado por mim.
O tamanho incalculável, porque sai para fora do meu alcance.
E todos os dias, em que penso partilhar algo com a minha mãe, ou com o meu pai.... aí cai o véu...
Eles não estão lá.
E aí....abre-se uma enorme fenda nos meus pés, um abismo bem lá ao fundo. Enorme.
Esse abismo onde vive a angústia de não os ter.
Um abismo que é mantido, dia após dia... gerido com cuidado, para não cair.
Um abismo, que muitas vezes tende em seduzir-me. E choro.
Eles não estão, é isto.
E nesse dia mais cinzento, o abismo quase toma conta de mim..
E choro.
E pergunto, o porquê.
Porquê?
Porque foram os dois?
Sim, eu sei que não faz sentido. Nada na dor faz sentido. Nada na perda faz sentido.
Porque quando escolhesse para ficar um, não haveria escolha entre eles.
Mas queria os dois, para mim.
E choro.
O abismo afasta-se por um pouco.
E sinto-me a fingir. Por vezes sinto isso mesmo. Que sou uma farsa.
Que tudo está bem.
Que vai tudo ficar bem.
Que a vida é assim.
Que a a vida é assado.
Mas parece que nunca fica.
Tudo parece ficar mais triste.
Tudo me parece mais sem graça.
As saudades galopam de uma forma avassaladora.
Como lhes tenho saudades meu Deus.
O toque áspero das mãos do meu pai. As bochechas dele maravilhosas. "Estás a ver ou não"
As mãos macias da minha mãe, e do seu atrix. A cara mais bela do mundo.O melhor colo do mundo.
Meu Deus.
E vem aí o Natal.
E vem aí a passagem de ano, o 3º ano falecimento dela.
E a vida anda.
Passa por cima de nós, sem apelo, sem piedade.
Passa e marca-nos a ferros.
Com isto choro.
Chorar alivia a dor.
Uma dor que nos vai consumindo aos poucos.
E finjo.
Que vai ficar tudo bem.
Que estão comigo.
Que embora o saiba, me sabe sempre a pouco.
E às vezes até duvido.
Sou uma crente descrente. E só.
Meus ricos e adorados pais.
Que gigante é o amor que vos tenho, e que saudades são estas que me apertam a garganta.
Meus ricos pais.
Meus amores.
Que dor.





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