Duas horas e meia

Esqueçam o running e o speed walking, force walking. Eu ando e o andar, para mim, é totalmente diferente de correr, por aquilo que se pode absorver do espaço, do ambiente à nossa volta, do que nos faz sentir, viver. Ontem andei, sem destino. Até fazer reset. Vivo na província, não é bem, é quase. Andar, é passar por prédios, moradias bonitas, casas pequenas e casas pequeninas. É conseguir sentir o cheiro do jantar que se faz. É sentir no ar, o aroma do amaciador que se utilizou na roupa que está estendida. Ando, olho para o céu, uma imensidão, o sol a por-se. Viro à direita ou à esquerda, só porque sim. Reparo em tudo.Aquela casa tão gira. As portadas. Os portões e madeira. Que camélias que são tão giras. Cadeirões no alpendre, são qualquer coisa e divago. Nas férias passadas, quando acordava, eu e a minha amiga C., íamos para a varanda dela, para os sofás no jardim, apanhar sol. A varanda ficava de frente para a floresta, onde só se ouvis os sinos das vacas (animais). Víamos águias a sobrevoar e mais nada. Paz. Uma coisa maravilhosa. Gosto de alpendres. Também me imaginei no Alentejo. No meio do nada. A olhar para um pôr do sol. Ou tomar o pequeno almoço, ou simplesmente a ler, ou namorar que é muito melhor. Coisa boa. Sigo, digo boa tarde a um senhor que está na horta, mas como vou a ouvir música, provavelmente, muitas outras pessoas ouviram. Passo por outras casas, reparo noutros pormenores. Vejo casas abandonadas, umas feitas em pedra. De outros tempos. Penso que famílias terão passado por ali. Penso que era pessoa para remodelar uma casa assim. Há em mim um fascínio no reconstruir algo. Fazer algo com as minhas próprias mãos. Não tenho problemas em fazer cimento, comprar tijolo, ou pegar em telhas. Olho bem para a casa, faço contas de cabeça e acho que o arranjo deve sair caríssimo. E uma empreitada assim, só uma doidice a dois. E há quem o faça, tenho dois amigos assim. É tão fixe. Compraram uma casa de férias, e estão a reconstruir. Eles fazem tudo, quase tudo. Como costumo dizer, basta existir mais um para fazer uma equipa, e tudo se faz. Quem nunca pintou? Quem nunca teve prazer de ver obra feita? Eu só de envernizar a minha mesa/cadeiras da varanda, fico felicíssima. De recuperar algo, feito por nós. Vou andando e vou sentido o perfume a jasmim. Tantas casas com jasmim. Que maravilha. Passo por jardins infantis e reparo que estão abandonados. Por acaso nunca tinha reparado que ali estavam. E penso, quem terá sido a pessoa que desenhou, que projetou aquele espaço para crianças. Esta pessoa não pode ter filhos, nem sequer sobrinhos. Não quis ser injusta, pensei só que foi uma pessoa sem bom senso. Por isso é que os espaços estão desertos. Não foram feitos a pensar em crianças, nem sequer a vedação, disso tenho a certeza, não é direcionado para eles. Passo por um colégio particular, e o parque infantil é completamente diferente. Áreas diferentes de brincadeira, com várias dinâmicas, espaços de sombra, cores, atenção à segurança. Que diferença é esta entre o público e o privado? Sim, sol é um colégio, não podes comparar....Eu digo, ok. Mas seria assim tão complicado criar um espaço de sombra num jardim infantil? Colocar mais do que um brinquedo ou criar mais uma área de atividade, e que a vedação  não fosse tão fina que ao impacto pudesse ferir? Vou andando e pensando, que realmente, podem existir poucos recursos, existir verbas pequenas, mas será que estão a ser bem distribuídas, estão a aproveitar ao máximo a verba? Fazer mais e melhor com o pouco que há disponível. Não sei. E sigo. Vou cheirando rosas de todas as cores. Gosto de jardins. Adoro as rosas de Santa Teresinha. Dou a volta e olho para a Serra de Sintra ao longe e o céu bem negro e penso na grande molha que vou apanhar, porque vejo a minha casa lá ao fundo e ainda me falta um bom caminho. Bem agora é sempre a descer,e  sorrio...é sempre mais fácil. Começo a descer, a passar a mão pelas espigas, por flores que apanhava em miúda. E tive de me proibir a mim própria de andar em modo passeio e andar a apanhar flores. Continuei. E como todos sabemos, podemos descer muito, mas depois sobes muito. Foi tão bonito. Mais ou menos. Subir a pique, é uma treta na verdade. Mas encontrei flores que já não encontrava há muitos e muitos anos. Lembrei-me da minha infância. Olho ao meu redor e não vejo ninguém e cada vez o céu mais escuro. Chego perto de uma fábrica de bolachas e é a facada final. Que cheiro. Que cheiro maravilhoso. Devia ser crime. Proibido. Acelero o passo, não tenho intenções de assaltar a fábrica. Sigo, e estou cada vez mais perto de casa. Vou andando e penso no que andei e que só regressei porque era noite. E aqui a menina, de noite, tem medo. Era um daqueles dias, que andava mais duas horas. Cheguei, fiz os alongamentos e duche. E trouxe em mim, um monte de coisas boas. 
É a diferença entre andar e correr. 
A correr...passava-me tudo ao lado. Não gosto, que as coisas me passem ao lado.
Que a vida, me passe ao lado.
Mas como em tudo na vida, pode ser que um dia corra e nos outros ande. Nos outros, em que andar me faz imensamente bem.

Comentários

Pulha Garcia disse…
"Eu só de envernizar a minha mesa/cadeiras da varanda, fico felicíssima. De recuperar algo, feito por nós. Vou andando e vou sentido o perfume a jasmim. Tantas casas com jasmim. Que maravilha. " Podes crer, nascemos para ser criativos e para celebrar cada momento. Beijo grande.
Solana disse…
Para sermos criativos, sem dúvida. Para fazermos algo de bom, produtivo. Fazer mais e melhor. Pelo menos tentar.
Celebrar cada momento, independentemente de alguns factores que possam existir na nossa vida, faz parte de uma aprendizagem.
Mas vou aprendendo, com alguns exemplos de alguém que tem sido uma fonte de inspiração.

Obrigada.

Beijinho grande

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