D. Celeste

Tinha colocado na cabeça tirar a tarde para mim. Há muito que não sei bem o que isso é. Mas perdi a sessão. Fiquei assim meia atordoada, estou tão habituada a pensar em todos e no que todos precisam que me desabituei a pensar no que eu preciso. Parei o carro no sitio de sempre. A minha loira de sempre que basta olhar para mim e chega. Ter amigos assim, torna tudo mais fácil. Peço um chá. Olho para uma montra cheia de doces e penso, que se lixe a dieta. Vou compensar isto tudo com uma queijada de laranja ou um pampilho. Olhei, olhei. E fiquei-me pelo olhar. Quem disse que não mudamos. Enganou-se. Estava eu perdida nos meus pensamentos, entra uma senhora de fato azul, camisa azul às ricas. Mala vermelha. Batom vermelho. Uma Senhora lindíssima. Pergunta-me se pode sentar-se ao pé de mim. Digo que sim. Diz-me que gosta de conversar. Penso para comigo, somos duas. Conta-me que estava à espera de ir à florista, mas que agora ia comer uma torrada. Diz que adora conversar com pessoas e que toda a sua vida foi assim. Trabalhou durante anos na Segurança Social. Peço-lhe desculpa, porque percebo o orgulho que tem, mas a "nossa segurança social" não é a "segurança social dela". Ao que ela me responde que sabe. E me diz que um dia foi ter com uma colega, e esta lhe respondeu acho que é assim D. Celeste. A D. Celeste diz...acho não é resposta, para ninguém. Vejo naquela senhora uma pessoa realizada, na vontade que tinha em ajudar as pessoas. Que ajudou muitas a colocar requerimentos no último dia do prazo. Que ajudou muitos outros que nem sabiam que tinam direito a apoios. Gostava de ajudar. Sempre gostou de saber o que era na realidade isto da Segurança Social. Trabalhou até aos seus 71 anos. Não mais, para dar assistência ao marido. Vejo uma lágrima no olho, lindo que tem. Se é belíssima agora, mais nova então, devia ser deslumbrante. E sussurra-me que este ano fariam 61 anos de casados. E mais baixinho diz-me "levaram ele de mim, assim o quiseram" e coloca a mão no peito. Diz-me que é vaidosa, que ele gosta que ela se arranje. Que tome conta de si própria. É uma mulher, uma senhora cheia de pinta. Conta-me que foi visitar o filho ao Brasil, conhecer a nova nora. E que não há nada melhor no mundo do que ver um filho feliz, concordei. Um pai, que vê o filho feliz, sente-se realizado. Conta-me os passeios que fez. Conta-me os seis bisnetos que tem. Revela-me tem 81 anos, conduz. E tem uma faculdade mental, excelente. Uma graciosidade fascinante. Sorri, sempre durante toda a conversa. As pessoas que sorriem perante as contrariedades da vida, fascinam-me. Dizia-me que sempre fora assim, sempre astral para cima, sempre a sorrir, porque a vida já é tão dura, tão complicada, se não sorrimos para ela, somos engolidos por ela. E quase que me oiço falar. E aceno com a cabeça, porque penso exatamente da mesma forma. Diz-me que vai voltar mais vezes porque gostou do espaço e das pessoas, disse que sim, que volte, para colocarmos a nossa conversa em dia. Eu fiquei fã da D. Celeste.

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